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A Música de Dança é Preguiçosa

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title A Música de Dança é Preguiçosa
author Nuno Corvacho
publication Público Sons
date 1998/09
issue 64 (04 Sept.1998)
pages p.04




Original Text

"A Música de Dança é Preguiçosa" is an interview (in Portuguese) by Nuno Corvacho originally published Sept. 4th, 1998 in the Público Sons magazine, a supplement of the Portuguese daily national newspaper Público, Number 64, p.04.

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A Música de Dança é Preguiçosa

Entrevista com os Boards of Canada


Nuno Corvacho


"Music Has the Right to Children", o álbum de estreia do duo escocês Boards Of Canada, é uma deliciosa fantasia electrónica. Nesta entrevista, realizado por fax, dão conselhos às crianças, discutem as virtudes da idade analógica e desancam na cultura de dança.

Oriundos de Edimburgo, os Boards of Canada são compostos pela dupla Mike Sandison e Marcus Eoin. Passaram a juventude à volta de aparelhagens domésticas e discos de bandas convencionais. Mas desde muito cedo descobriram o potencial que a música electrónica proporciona, formaram algumas bandas, extinguiram outras tantas, numa série de projectos que se foram renovando como as marés. Acabam de lançar o seu primeiro longa-duração, "Music Has The Right To Children", um disco de ambientes sonoros ambíguos e sensuais. Refugiados numa sensibilidade quase infantil, não se aventuram demasiado na cultura nocturna e uma noite bem passada, para eles, é longe das discotecas, algures no alto de uma colina à luz de uma enorme fogueira.

PÚBLICO — Qual é a razão de ser do estranho nome deste projecto?
BOC — Teve origem no National Filmboard of Canada. Quando éramos miúdos, costumávamos ver muitos filmes e documentários experimentais por eles produzidos, por isso foram uma grande influência para nós. A música nesses filmes era óptima, por ser estranha mas audível.
P. — Como é que foi o vosso primeiro contacto com os instrumentos electrónicos?
MICHAEL SANDISON — Por volta dos dez anos de idade, deramme um antigo gravador de cassetes mono e então comecei a gravar peças de piano com ele. Depois pedi instrumentos emprestados aos amigos, coisas como órgãos electrónicos. A primeira vez que toquei num sintetizador foi por volta de 1983, quando o meu professor de música comprou um Roland, Juno 60. Tornei-me viciado naquilo. Quando ele ouviu algumas das minhas gravações caseiras, arranjou maneira de eu ir gravar para um estúdio. Gravei alguns temas, isto em 1983, quando tinha 12 anos, e a partir daí formei inúmeras bandas, todas diferentes, mas nas quais usei sempre electrónica.
P. — Que influências reconhecem no vosso trabalho?
BOC — Há elementos muito diferentes no nosso trabalho. A maior influência será a televisão, a música de filmes e a clássica, mais do que bandas rock. Contudo, certas bandas foram uma grande influência ao longo dos anos, tal como Devo, The Incredible String Band, Julian Cope e My Bloody Valentine.
P. — A vossa abordagem da música electrónica dá mostras de uma sensibilidade infantil na forma como utiliza sonoridades suaves e melódicas. Concordam?
BOC — Adoramos melodias, mas aborrecemo-nos com melodias previsíveis. Por isso, o tipo de música ruidosa que nós fazemos parece infantil ou simplista. Fazemos a nossa música parecer velha, gasta, em segunda mão. Parece música de recordações pouco claras tanto mais que, normalmente, a maioria da música moderna tem uma boa produção. Estamos a tentar transmitir aos outros os mesmos sentimentos que temos pelas melodias antigas, de que nos lembramos do passado.
P. — Até que ponto é importante o universo da infância no vosso som? As vozes de crianças que se ouvem em muitos dos vossos temas são uma expressão da vossa veia sonhadora ou apenas uma forma de suprir uma carência vocal?
BOC — Não são para compensar a falta de vozes, porque anteriormente tivemos vários vocalistas na banda, mas decidimos ser sobretudo instrumentais, o que torna a nossa música muito mais flexível. As vozes das crianças estão lá para contrastar com as melodias mais sombrias e electrónicas. É uma espécie de coisa amarga-doce.
P. — Que diferenças notam entre uma criança e um adulto na reacção que têm perante a música?
BOC — As crianças mais jovens estão mais receptivas a melodias suaves, encantadoras e ritmos pesados. Mas há uma fase nos adolescentes, que começam a diferenciar as suas preferências musicais, e é aí que muitos sons e músicas ficam retidas na memória. Entre a adolescência e a idade adulta, urna pessoa pode ouvir todo o tipo de coisas. Mas, tal como um adulto, o seu gosto pela música é governado pela sua experiência em criança.
P. — Usam cantigas de embalar, truques lúdicos e coisas semelhantes?
BOC — Na nossa música? Temos usado todo o tipo de coisas. As vozes das crianças são normalmente gravações que fizemos de crianças a dizer coisas, que normalmente as crianças não dizem. Usámolas também a cantar e gravações fonéticas simples. Se a pergunta se refere a brinquedos musicais, a resposta é sim, também usámos muito isso, porque esses sons são familiares a todos.
P. — De que modo aproveitam essa panóplia sonora nos vossos espectáculos?
BOC — Usámos filmes antigos de família com crianças a brincar, cortámo-los e passámo-los de trás para a frente e assim continuamente. É uma coisa simples, mas muito eficaz para algumas músicas que nós tocamos. Nos espectáculos ao vivo, costumamos intercalar as faixas com pequenas melodias hipnóticas, tal como caixas de música ou "jingles" televisivos. Penso que isto preocupa alguma parte da audiência.
P. — A electrónica é para vocês uma forma de escape, a maneira ideal de esculpir o som, ou uma simples fonte de prazer?
BOC — O que a música electrónica oferece é uma maior flexibilidade aos compositores. A maior parte dos músicos electrónicos está a produzir música de dança. Vemos isso como sendo preguiça, porque a música de dança é muito fácil de produzir. A música electrónica não tem de ser limpa, penetrante e repetitiva, e podemos ter um infinito número de sons instrumentais originais. Temos tendência a usar sons orgânicos, sons que não parecem electrónicos. Isto significa que se pode dar a impressão de uma banda completa a tocar instrumentos bizarros.
P. — O que pensam da recuperação da electrónica analógica?
BOC — Quer dizer o ressurgimento do uso dos sintetizadores analógicos? Têm sido sempre usados por músicos importantes, porque os sintetizadores digitais nunca foram a extremos como os analógicos vão. Quero dizer, a tecnologia digital foi concebida para superar certos princípios, tais como potenciais danos de alcance de frequência, etc. Mas os sintetizadores analógicos podem ser forçados a fazer coisas que não deviam fazer. A verdadeira criatividade existe quando se força uma peça de equipamento a fazer algo de antiortodoxo, e o material analógico é bom para quebrar as regras. Usamos sempre material analógico e, ao combiná-lo com hardware digital, acabamos por ter um imenso potencial sonoro.
P. — Trabalham facilmente sob pressão, no ambiente da música de dança, ou preferem atmosferas mais calmas?
BOC — Não estamos de todo dentro da cultura de discoteca. Por vezes, temos de lá estar para fazer um concerto, mas não escolhemos gastar o nosso tempo livre aí. Fomos criados na zona rural da Escócia e o nosso estúdio é acolhedor. Gostamos de estar no exterior com os nossos amigos e fazer as coisas calmamente, mas a música electrónica exige, por vezes, que se trabalhe com agressividade.
P. — Qual. é a vossa estória infantil preferida?
Michael Sandison — "O Rapaz Que Gritou 'Lobo'. É importante que todas as crianças a ouçam.
Marcus Eoin — "Hansel and Gretel". Lembrem-se, crianças, não vão com estranhos!



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Highlights and Notes

  • Mike reveals that the first synthesizer he used was his music teacher's Roland Juno 60 when he was 12 years old.


Scans  

References